Caminho
Tenho sonhos cruéis; n`alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d`harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d`agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
- A temática principal do poema é a dor existencial e a melancolia intensa do "eu" lírico. O sujeito poético confessa ter "sonhos cruéis" e revela uma "alma doente", descrevendo um estado psicológico marcado pela tristeza e pela constante procura de um significado na própria dor.
- No soneto "Caminho" de Camilo Pessanha, é notório que o "eu" lírico está preso entre o presente e o futuro, como mostra o verso "Vou a medo na aresta do futuro"/ "Embebido em saudades do presente...". Ele teme o que está por vir e sente saudades do presente.
- Nos versos finais, o sujeito poético afirma que "a dor" é uma "falta d’harmonia" essencial para a alma. Ele vê a dor como um elemento vital e necessário, comparando-a a um sol que existe "quando chora". A dor, portanto, é vista não como um obstáculo, mas como a origem da verdade para o coração.
- Ao longo do poema, Pessanha usa metáforas profundas para expressar o estado de espírito do "eu" lírico. A “luz desgrenhada que alumia / As almas doidamente” sugere o estado perturbado e confuso do "eu" lírico. Já o coração é comparado a um sol "sol onde expirasse a madrugada”, uma imagem que apresenta a tristeza como uma madrugada sem fim, com uma luz intensa que também traz um frio persistente e a sensação de um começo que nunca se concretiza.
Esta composição poética pode ser dividida em duas partes. À primeira parte pertence as três primeiras quadras, na qual o sujeito poético faz uma reflexão sobre o seu caminho de vida, marcado por obstáculos e incertezas. Já a segunda parte pertence a quarta e última estrofe, onde há uma mudança de "tom", no qual o "eu" lírico parece vislumbrar uma possibilidade de redenção ou superação da dor, embora ainda esteja repleto de uma certa incerteza e submissão á dor.
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